DATA: 27/02/2020

VIDEOCONFERÊNCIA: 19h30min

A Câmara Técnica de Fibromialgia (CTFM) da Sociedade Brasileira para Estudos da Cannabis (SBEC), realizou sua primeira reunião no dia 27 de fevereiro último. Por videoconferência, através de um aplicativo, 16 profissionais de diversos estados e áreas profissionais, desde saúde até humanas, trocaram sugestões, experiências e acertaram detalhes em prol do projeto de criação oficial da Câmara. Muitos destes também atuam como consultores do grupo, de forma voluntária.

De acordo com as diretrizes que compõem o projeto, até aqui, a Câmara Técnica de Fibromialgia, nome oficial, tem os seguintes objetivos: a realização e divulgação de estudos, pesquisas, traduções, propostas para mudanças legislativas e a promoção de formação e ensino de profissionais e estudantes sobre o uso terapêutico da cannabis. Tudo voltado para o tratamento de condições de dor crônica e fibromialgia. A atuação terá como base premissas da Constituição Federal de 1988, que versam sobre cidadania, dignidade da pessoa humana, fatores sociais do trabalho e a saúde como um direito fundamental.

Segundo o documento, a justificativa maior para a formação e atuação do grupo passa pelas dificuldades de acesso ao tratamento adequado para a fibromialgia, motivadas pela complexidade da doença e a falta de uma análise multifatorial dos riscos genéticos e ambientais. E afirma ser necessário o aprofundamento nos estudos e estabelecimento de parcerias e protocolos de tratamento mais adequados para esta patologia. Esclarece que a condição ainda é mal compreendida e desconhecida por profissionais de saúde e mesmo de pesquisadores que a investigam. E que dois dos aspectos importantes que envolvem a FM são a gravidade funcional e o sofrimento psicológico.

A reunião teve como pauta a apresentação dos membros, do projeto e a exposição de tópicos sobre uma nova perspectiva da fibromialgia, pelo diretor da CT Fibro, o médico intensivista João Normanha. A idealizadora e coordenadora da CTFM, Francislaine Assis, ressaltou a necessidade de focar em estudos sobre o tema, com a disponibilidade online do material. Incentivou a leitura do que já está disponibilizado, para que o pensamento seja unificado e intensificado. Recomentou o documentário “O Cientista” (“The Scientist”, Israel, 2015). Para Francislaine, essa interação sobre o tema, através dos materiais disponibilizados, ajudará a ampliar a visão atual sobre a fibromialgia, para além das prescrições usuais.

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Foi levantada a questão da necessidade do tratamento da fibromialgia incluir a busca por uma melhor qualidade de vida do paciente. Normanha apontou o desequilíbrio do sistema endocanabinóide como fator preponderante na existência de algumas doenças e da dor. Para ele, estudar o uso da cannabis, levando em consideração a deficiência do SEC, é fundamental. Além de unir o método convencional de tratamento às terapias alternativas. “A angústia e o sofrimento da busca pela cura da dor, pelo alívio, leva muitos pacientes a verem a cannabis como milagre. Isso é errado. Ela tem de ser integrada a um tratamento em conjunto com esses outros componentes”, frisou.

Além desses pontos, a diretora da SBEC, a psiquiatra Eliane Nunes, incluiu um dado importante do cotidiano clínico, normalmente abordado por seus colegas: a onipresença das queixas sobre dor e insônia. Não só pela fibromialgia, mas por doenças, como câncer, depressão e outras. Vinculou o sucesso do tratamento à mudança do estilo de vida do paciente. Sendo que nem todos admitem fazer isso. O que incorre na necessidade da observação da influência da personalidade da pessoa dentro do processo do tratamento de sua condição. “Não tem cura milagrosa”, sentenciou.

Francislaine encaminhou aos presentes à reunião o esboço do projeto da Câmara Técnica de Fibromialgia da SBEC, para que todos pudessem ler e contribuir com sugestões que julgarem pertinentes. Assinalou que o objetivo é alcançar o máximo possível do público alvo, ou seja, profissionais que atuem com pacientes fibromiálgicos. Explicou que o objetivo da reunião do grupo é promover uma educação médica mais adequada para o tratamento da fibromialgia. A ideia é realizar eventos, como cursos, palestras e ambulatórios sociais, ampliando o trabalho em âmbito nacional. “Fazer chegar aos pacientes uma maneira correta de entender a fibromialgia, que, segundo ela, tem sido abordada de forma equivocada. Os resultados ruins da falta de informação correta vão desde a demora no diagnóstico, até o uso de medicação desnecessária, aumentando o sofrimento dos acometidos por essa condição”, concluiu.

A nutricionista e especialista em nutrição oncológica, Andrea Barros, destacou estudos que incentivam a alimentação rica em colágeno e vitamina D, por exemplo. Mas destacou que o tratamento e a dieta são individuais, “respeitando o quadro mostrado por uma anamnese rigorosa e os resultados de exames pertinentes ao caso”. Lembrou da necessidade de ingestão de água na medida correta, bem como a alimentação nos horários certos.  Citou a importância do tratamento interdisciplinar, a visão do paciente como um todo, e não como uma doença, apenas. Na questão farmacêutica, falou em livrar profissionais e pacientes da “escravidão farmacológica”, ou seja, deixar o sistema imunológico do paciente trabalhar. “Nem sempre o óleo combina com o paciente, porque este apresenta disbiose, condição importante a ser levada em conta”, observou.

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A CTFM é composta pelos seguintes integrantes: João Carlos Normanha, diretor e médico intensivista; Francislaine Assis, coordenadora e idealizadora do projeto da CTFM e tradutora de Libras; Andrea Barros, nutricionista, especialista em nutrição oncológica; Marina Barbosa, fisioterapeuta e naturóloga; Lislie Abram Gomes psiquiatra e médica da Família e Comunidade; Isabela Good, ginecologista; Paulo Tarso Viana, cirurgião-dentista, Luciano Teles, jornalista e cirurgião-dentista bucomaxilofacial; Nathalia Carreiro, fonoaudióloga; Hygor Kleber Cabral Silva, médico da Família e Comunidade; Olair Rafael da Silva Jr., pediatra, homeopata e médico do trabalho; Renan Abdalla, clínico geral; Paulo de Tarso Viana, cirurgião dentista, sanitarista especialista em saúde pública; Margery Barlin, oftalmologista, homeopata, medica de Família; Mauro Araújo, anestesiologista com área de atuação em dor; Luciana relações públicas; e Eliane Nunes, psiquiatra e diretora da SBEC.

João Normanha: fibromialgia, sistema endocanabinóide e estilo de vida

João Normanha, diretor técnico da câmara técnica, começou ressaltando o trabalho da comissão, de ampliar o espectro de doenças e da visão da medicina sobre a fibromialgia. O que inclui inserir e divulgar artigos e demais fontes de estudos científicos na base de trabalho do grupo, a fim de fortalecer o conhecimento técnico e divulgar as informações colhidas. “Seria um trabalho quase que precursor, porque, apesar de já existir, ainda não está integrado em nosso meio”, disse.

João Normanha relatou que, como intensivista, começou a estudar o sistema endocanabinóide (SEC) com o objetivo de aplicação a alguns pacientes terminais. Porém, ampliou sua visão, após pesquisar sobre algumas teorias do neurocientista Ethan Russo, diretor do International Cannabis and Cannabinoids Institute (ICCI). A partir daí, concordou com a tese de que um desequilíbrio no referido sistema seja a origem real de diversas doenças. Ao contrário da crença atual, de que muitas delas sejam originadas no local primário de sua manifestação, devido ao fato do SEC estar ligado a vários dos sistemas do organismo. Com isso, também considerando fatores genéticos, essas patologias podem ir desde uma dermatite até problemas intestinais, passando pelos sistemas imunológico e nervoso.

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O diretor técnico da CTFM explicou que, com esse pensamento, é possível identificar quais patologias não são originadas no sistema primário, no qual se apresentam, mas, na verdade, no sistema endocanabinóide. Geralmente são doenças crônicas refratárias ao tratamento, contra as quais as terapêuticas usuais não alcançam sucesso. Daí, os olhos voltam-se ao SEC, o que traz a necessidade de se tratar este sistema, com terapias canabinóides. O que não inclui, necessariamente, o uso da cannabis.

Normanha destaca que 99% das pessoas com esses problemas possuem uma origem comum em suas questões: intestinal. Mas que nem sempre as faz manifestar problemas intestinais. “Os neurônios entéricos são primordiais no processo da criação da anandamida. Quando esta se encontra em baixa produção, poderão haver manifestações de ansiedade, depressão, doenças imunes etc. Mas o caminho não é dobrar as doses de medicamentos usuais, como normalmente se faz, mas ajustar o sistema endocanabinóide, podendo diminuir a utilização da alopatia ou, até, eliminá-la da terapia”, observou.

Por fim, elencou como uma das principais missões do grupo a difusão da relação do sistema endocanabinóide com a fibromialgia e com outras doenças refratárias aos tratamentos. “Hoje já se pesquisa sobre a deficiência clínica do SEC, que envolveria a fibromialgia, a enxaqueca e o intestino irritado”, colocou. Entretanto, afirmou que o objetivo principal do tratamento deve ser tirar qualquer medicação do paciente, deixá-lo livre do uso de medicamentos, inclusive da cannabis. “Investir em mudança de estilo de vida, com atividade física, terapias alternativas diversas, acompanhamento nutricional é primordial. Modular o SEC e deixar a cannabis para uso paliativo, apenas”, finalizou.

Créditos da Matéria e arte:
Matéria: Luciano Teles
Revisão: Alexander Onça
Bruna Dantas
Francislaine Assis
Arte: Francislaine Assis